sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Pra que servem as coisas que nos ensinam na matemática?

Dia desses eu vi uma pergunta parecida com esta do título deste tópico (na verdade, um tanto mais curta do que esta): pra que serve a matemática? Vou considerar, neste post, estas duas perguntas como sendo bem parecidas, quase iguais. Depois eu falo sobre a diferença entre elas.
Pra começo de conversa, dizer que a matemática serve para muitas coisas e fazer uma lista das coisas que se podem fazer com elas, é uma tarefa relativamente fácil. De contar a quantidade de coisas a nossa disposição, a tentar descobrir qual a temperatura de uma barra de ferro sendo aquecida durante um determinado tempo, incluindo calcular a propagação de um boato ou uma doença, pode-se utilizar matemática para diversas aplicações. Mas eu pensei: existe uma diversidade de profissões, funções e trabalhos, e esses trabalhos demandam mais ou menos conceitos matemáticos para o bom desempenho deles. Questão de utilidade, mesmo. Acredito que é nesse sentido que a maioria das pessoas (se) perguntam pra que serve a matemática que são obrigadas a aprender na escola.

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Um exemplo estupidamente simples de conceito matemático aparentemente pouco útil: números primos. Pra quem não sabe ou não se lembra, um número natural é chamado primo quando ele só pode ser dividido por ele mesmo ou por 1. 
(Pequena digressão)
Não, não dá pra dividir por zero: nenhum número pode ser dividido por zero (e nem Chuck Norris consegue essa proeza), nem em termos matemáticos nem em termos "filosóficos". O máximo que se pode fazer em termos matemáticos é diminuir o quanto quiser o número divisor até chegar próximo a zero (e o resultado ficar estupidamente grande), mas chegar perto de zero não quer dizer chegar em zero. E "filosoficamente" falando, como você vai dividir uma coisa pelo nada?
(Voltando da digressão)
Tá, mas pra que serve número primo? Eu não uso no meu trabalho, e aí? O que é que eu ganho sabendo que existe esse tal número primo?
Explicando de forma bem resumida: se você faz compra e venda pela Internet, já deve ter visto um pequeno cadeado no site. Ele indica que o site é seguro para fazer uma transação eletrônica de fundos, quer dizer que a pessoa pode fazer uma compra de uma mercadoria usando o seu cartão de crédito. O que garante isso é um protocolo de transferência de dados que utiliza criptografia (que visa tornar os seus dados secretos para todos na Internet exceto o comprador e o vendedor). A criptografia utilizada no protocolo é baseada em ferramentas matemáticas que utilizam... números primos.
Para que as ferramentas matemáticas funcionem de forma satisfatória, é necessário utilizar números primos BEEEEM grandes. E surgem duas perguntas importantes a esse respeito: 
1. Como conseguir números primos tão grandes?
Antes dos computadores existirem, já haviam ferramentas matemáticas, os crivos e testes, usados para saber se um determinado número é primo ou composto (número composto é o número que pode ser dividido por um número menor que ele, sem deixar resto). E já havia números primos grandes registrados. O que os computadores trouxeram foi a facilidade de executar esses crivos e testes. E os números primos aumentaram enormemente de tamanho, tornando-se gigantes. 
2. E se a quantidade de números primos esgotar?
É garantido que a quantidade de números primos NÃO vai esgotar. Ou seja, existem infinitos números primos, e a prova é uma das mais fáceis de entender (se não for a mais fácil!).
Vamos supor que a quantidade de números primos que existe é limitada, embora seja muito grande. Que o maior número primo que existe é um número ao qual vamos chamar de p, que é muito grande. Em seguida, vamos multiplicar TODOS os números primos que existem, incluindo o p, e vamos chegar em um número que vamos chamar de N, um número colossal. Sabemos que N pode ser dividido por qualquer número primo que existe, incluindo o p, sem deixar resto... mas e se acrescentarmos 1 a esse número colossal, N? N+1, como fica? Infelizmente, o N+1 não pode ser dividido pelos números primos que temos, sem deixar resto, o que quer dizer que o N+1 é primo... mas nós não supomos que havíamos chegado ao último primo, p? E como é que chegamos a um número MUITO MAIOR que p, e é primo? Então, a suposição que fizemos, de que existe uma quantidade limitada (embora grande) de números primos, é inválida. Ou seja, existem mesmo infinitos números primos.

Agradeça aos filósofos e nerds que quebraram a cabeça com os números (e letras que representam números) desde o surgimento da escrita. Agradeça a Pitágoras, Bhaskara, Maria Agnese, Descartes, Newton, Euler, Gauss, Phillip Cantor (francês, não inglês!), John Nash, especialmente a Eratóstenes, Pierre de Fermat, Sophie Germain, o padre Mersenne e os professores do MIT Rivest, Shamir e Adleman (RSA).

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Uma coisa é perguntar pra que serve a matemática. Outra coisa é perguntar pra que serve a matemática que nos é ensinada na escola. Mas qual a diferença?
Se uma pessoa pergunta pra que serve a matemática, obterá uma resposta um tanto quanto genérica - porque a própria pergunta é genérica. Obterá uma resposta do tipo: "A matemática serve para contarmos as coisas a nossa disposição; para sabermos quanto dinheiro temos no fim do mês, depois de pagarmos as contas; para sabermos se vale a pena comprar um bem agora ou mais tarde, etc." Ou uma resposta ainda mais incisiva: "Onde você ver número, aí tem matemática". Ou seja, a pessoa que está respondendo a essa pergunta, na maioria dos casos uma pessoa que trabalha profissionalmente com matemática, está recebendo uma pergunta genérica, abrangente, um tanto quanto superficial - e responderá de forma superficial, genérica também.
Coisa diferente de quando perguntam pra que serve a matemática que nos ensinam na escola. Aí já há um contexto, o ambiente escolar, e neste ambiente são ensinadas muitas coisas que podem ou não ser úteis na vida profissional ou pessoal daquele que pergunta. Acredito que é neste sentido, o do contexto escolar, que as pessoas perguntam pra que serve a matemática. 
E quanto às respostas? Estas se tornam (um pouco) mais específicas: "equação do segundo grau serve pra calcular lançamento de projéteis, pra cálculo de lucro etc."; "logaritmo era muito usado quando não havia computadores, em cálculos de astronomia"; "existe uma fórmula pra calcular o volume de um tambor cilíndrico"; "dinheiro custa dinheiro no decorrer do tempo, e o valor desse dinheiro é o juro", etc. Ou seja, a pergunta foi restringida a um contexto específico, e dentro desse contexto a resposta pôde ser melhor elaborada, tornando-se mais útil àquele que pergunta.
E surge outra pergunta: qual a utilidade disso pra minha vida? Aí, meu chapa, vai depender de cada vida, de cada profissão, de cada trabalho. Existem realmente profissões e trabalhos que utilizam poucos conceitos matemáticos no seu desempenho. Psicólogos, por exemplo (a parte que me cabe neste latifúndio). Quem trabalha com psicoterapia, em princípio não vai precisar do Teorema de Pitágoras.
No entanto, vivemos em um mundo complexo e interdependente, em que decisões que tomamos podem refletir na vida de outras pessoas e vice-versa. E certas decisões são tomadas levando em conta conceitos matemáticos. Exemplo? Quando o médico prescreve uma receita, a formulação do medicamento leva em conta conceitos de razão, proporção e regra de três; um empréstimo bancário é tomado e, além de pagar o principal da dívida, o devedor paga os juros em um sistema de juros compostos; os economistas levam em conta, entre outros, os conceitos de média simples e ponderada para cálculo de inflação; e outros exemplos mais.
Ou seja, aquele conceito que você acha que é inútil porque não precisa dele, pra outra pessoa pode ser essencial. E a sua vida (de você) pode depender disso.

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